segunda-feira, 4 de abril de 2011

ARTIGO


Por Geraldo Elísio



“Duvide, pergunte, certifique-se e resolva. Nessa ordem”. – Cardeal Mazarino



31 de março passou quase que em brancas nuvens, como se nada tivesse acontecido no longínquo 1964, uma data que mudou os destinos do Brasil com várias facetas. Primeiro, o golpe militar desfechado contra João Goulart em pleno bojo da Guerra Fria, era praticamente a “crônica de uma morte anunciada”, com os EUA atormentados pela ascensão de Fidel Castro ao poder, em Cuba, e a Teoria do Dominó, segundo a qual se mais um país tropical – principalmente o Brasil – caísse na órbita de Moscou, todos os demais o seguiriam, tombando em série como as fileiras do inocente jogo infantil. Por isso a série de golpes militares que ocorreram também na Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia (que vivenciou mais de uma centena de golpes) e Peru, com concentração de forças no Cone Sul da América do Sul. Não foi, pois, sem razão que o dedo da CIA esteve presente em todas estas ocasiões. Além do mais, o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, frustrou um golpe gestado pelos coronéis do Exército Brasileiro, à frente do qual estava Golbery do Couto e Silva, também presente em 64. Isso sem contar que Jango, pouco antes do golpe recebeu vários avisos de que alguns setores das casernas queriam apeá-lo do Poder e não reagiu, surgindo daí as propaladas divergências com Leonel Brizola.



Óbvio, como não poderia deixar de ser a CIA monitorou todos os passos que antecederam, durante e posterior ao golpe de 64, hoje fatores conhecidos de sobra. Neste mesmo espaço já contei que uns15 dias antes da quartelada, “bem dada e mal acabada porque terminou nas mãos da UDN”, segundo o major Paulo Viana Clementino, em entrevista concedida a mim, ele que era o “Estado Maior Revolucionário” de Guedes e Mourão Filho (EB) e José Geraldo de Oliveira (PMMG), eu já sabia que o cabo Anselmo fazia jogo duplo. Em Sete Lagoas, onde eu trabalhava na ZYU-4 Rádio Cultura local, fui convidado para um jantar em casa do então prefeito Vasconcelos Costa, ao qual compareceu o general Carlos Luís Guedes e vários outros oficiais.



Pela madrugada, quando o militar já havia retornado a Belo Horizonte e outros lá permaneceram bebericando uísque importado, o médico doutor Afonso Viana demonstrou preocupação com a atividade do cabo Anselmo e um major, às gargalhadas, disse a ele que não se preocupasse porque o rapaz era um agente duplo. Informei na mesma manhã o fato à União Colegial de Sete Lagoas e me senti envergonhado em ser chamado de “burro e alienado a fazer o jogo da direita”.



Da mesma forma que no dia31 de março, compareci ao gabinete do prefeito Vasconcelos Costa para entrevistá-lo sobre o golpe que havia estourado, tendo chegado ao local na mesma hora que o mesmo doutor Afonso Viana, preocupado com uma eventual reação de forças leais a Jango Goulart. De novo Vasconcelos o tranquilizou garantindo que se houvesse reação os norte-americanos já estavam a postos nas costas do Espírito Santo.



A famosa Operação Brother Sam, coordenada entre outros pelo presidente dos EUA, Lyndon Johnson, general Wernon Whalters, amigo pessoal do ex-presidente Castelo Branco, o embaixador Lincoln Gordon e dezenas de agentes da CIA, entre eles o célebre Dan Mitrione, justiçado no Uruguai pelos guerrilheiros tupamaros e que havia morado em Belo Horizonte, onde ministrou aulas de tortura para alguns dos futuros golpistas. Em um programa Roda Viva, da Fundação Padre Anchieta, em São Paulo, o professor Darcy Ribeiro disse que ele próprio aconselhara Goulart a “varrer com uma rajada de metralhadora os insurretos que iam de Minas para o Rio”, tendo Jango, “para não derramar sangue”, preferido o conselho de San Thiago Dantas de não reagir “porque os norte-americanos interviriam no processo”.



Já ouvi de alguns velhos militares daquela época, inclusive alguns que condenam os excessos que foram cometidos, que o golpe de 64 tinha sido necessário porque, se o Brasil tivesse se transformado em País comunista ou República Sindicalista, “não haveria dúvidas de que seríamos invadidos pelos “marines” e aí seria pior”. Verdade ou mentira? Somente os historiadores poderão dizer isto no futuro. Impossível creio não ser, principalmente no contexto da Guerra Fria. A Operação Brother Sam foi divulgada a primeira vez no extinto “Jornal do Brasil”, edição impressa, pelo repórter Marcos de Sá Corrêa, decorrido o prazo estabelecido pelo governo dos EUA para a liberação dos seus documentos secretos, no caso destes de posse da Biblioteca Lyndon Jonhnson, que se orgulhava de ser “um caipira que salvou o Brasil de ter caído nas garras dos comunistas”.



A partir da descoberta de Marcos de Sá Corrêa, em Minas Gerais, ouvi várias pessoas em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e São Paulo, tirando outros véus e trazendo à luz outros episódios do golpe que, de acordo com o coronel José Geraldo de Oliveira, que depois se elegeu deputado estadual, começou de verdade no dia 28 de março de 1964 com as operações “Gaiola” e “Popeye” quando os comunistas começaram a ser detidos em todos os pontos do território mineiro.



A partir desse momento, tiveram início os anos de chumbo que duraram 25 anos, passando pela distensão lenta, gradual e restrita de Geisel, que desmontou os aparatos de torturas, principalmente do DOI-CODI, a Campanha das Diretas-Já e culminou com a eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência da República, derrotando Paulo Salim Maluf já em meados da década de 80 e fazendo o Brasil retornar aos trilhos da democracia. Mas antes muita coisa aconteceu, inclusive refluxos da Intentona Comunista de 35, a frustração permanente da extinta UDN – a eterna namorada dos quartéis – diante das vitórias do PSD e do PTB, igualmente extintos, inclusive o verdadeiro golpe ocorrido em 1968, o golpe no golpe, com a implantação do famigerado AI-5.



Mas aí já é outra história. (Segue amanhã).



Este espaço é permanentemente aberto ao democrático direito de resposta a todas as pessoas e instituições aqui citadas.



ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO NOVO JORNAL




geraldo.elisio@novojornal.com

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