A reunião do Ministério da Fazenda com os bancos privados é significativa sob vários aspectos. O principal é que ela demonstra a fatuidade de fazer os bancos privados reduzirem seus juros (o seu “spread”: a diferença entre o que pagam para captar dinheiro e o que cobram para emprestar aos clientes), sem que o governo reduza substancialmente a taxa básica, que remunera os títulos públicos. Na verdade, o que permite aos bancos cobrar juros tão altos, sem se preocupar se emprestam ou deixam de emprestar dinheiro aos clientes, são os juros altos que embolsam sobre os títulos públicos.
Isso, ressaltamos, apesar dos esforços elogiáveis da presidente Dilma para reduzir os juros do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal (CEF). Talvez outra conclusão que se pode tirar da reunião é que a economia do país já estaria há muito liquidada, se não fossem os bancos públicos.
Quem determina qual é o “spread” (portanto, os juros) dos bancos privados são os bancos privados - e, evidentemente, de acordo com os seus interesses, a rigor, de acordo com sua ganância. Portanto, cálculos como o do presidente da Febraban, Murilo Portugal (o mesmo que foi secretário do Tesouro de Fernando Henrique e vice-ministro de Antonio Palocci), sobre os vários componentes do “spread”, são mera fantasia - para não usar um termo mais judicial.
Além disso, o sr. Portugal teria de explicar, na sua conta segundo a qual 70% do “spread” são custos e não lucros, porque somente no Brasil os bancos têm esses custos, já que o “spread” aqui é 11,5 vezes aquele que se cobra em países semelhantes ao nosso – isto é, “países emergentes”.
Na reunião, os bancos privados apresentaram 20 condições ao Ministério da Fazenda para que possam diminuir os seus juros, além de cobrar R$ 300 milhões do governo federal por supostos serviços que teriam prestado à Receita na arrecadação de impostos.
As condições são das mais estapafúrdias – isenções de impostos, liberações do depósito compulsório e, até mesmo, que o governo force os clientes que processam judicialmente bancos pela cobrança de juros sobre juros a continuarem pagando aos bancos processados.
ANATOCISMO
Só de passagem, e para exemplificar a indecência das propostas dos bancos, notemos que a cobrança de juros sobre juros - chamada “anatocismo” pelos juristas - é crime no Brasil desde 1933 (decreto nº 22.626/33, conhecido como “lei de usura”), o que foi incorporado na lei sobre crimes contra a economia popular (lei nº 1.521/51) e na Constituição de 1988 (artigo 192), com duas súmulas do STF e uma do STJ reafirmando a legislação – súmulas que foram necessárias porque o governo Fernando Henrique emitiu uma medida provisória ilegal para permitir a cobrança de juros sobre juros.
Posteriormente, o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, defendeu o “anatocismo” - mas ele era capaz de defender qualquer coisa, mesmo ilegal, a favor dos bancos, sobretudo quando estrangeiros (v. depoimento de Meirelles em 14/04/2010, Boletim nº 24 da CPI da Dívida).
O que se pode concluir de tais exigências dos bancos é que eles não querem abaixar os juros. E não querem porque, para lucrar, não precisam emprestar maciçamente a clientes. Pelo contrário, é mais vantajoso para eles ganhar com os juros sobre os títulos públicos do que fazer o que é função dos bancos – financiar clientes. Enquanto os juros dos títulos públicos permanecerem na estratosfera, vão preferir, simplesmente, parasitar e saquear o Tesouro do que baixar os juros para emprestar ao público.
Esse é o problema real do “spread” bancário, que é altíssimo no Brasil – o mais alto do mundo, como já mencionamos, com média 11,5 vezes àquela dos países com economia comparável à nossa (v. FIESP, “Índice de Competitividade das Nações 2011”, sl. 24).
O resto são bijuterias que não mudam o que interessa – nem chegam a ser aquele caso do biquíni, que, no parecer do ex-ministro Delfim Netto, deixam tudo a nu menos o essencial. Enquanto os juros estabelecidos pelo BC para os títulos públicos permanecerem no nível aberrante que estão hoje, por que os bancos privados irão baixar os juros? Eles ganham muito mais – e sem riscos – com esses títulos públicos do que ganhariam com os empréstimos que fariam se baixassem os seus juros.
A maior parte desses juros é constituído, exatamente, pelo “spread”: no estudo da FIESP, o exemplo é cristalino – nos empréstimos de curto prazo, os bancos captam dinheiro a 9,8% ao ano e emprestam a uma taxa média de 33,9%, com um “spread” de 24,09 pontos percentuais. No entanto, nos outros países esse “spread” é de apenas 2,1 pontos percentuais. O presidente da Febraban sabe disso, até porque também é funcionário do FMI. Mas, segundo ele, o Brasil tem a bênção, ou a maldição, de ser diferente. Aqui os bancos usam os seus lucros para melhor atender ao povo - este é que não colabora, pois vive dando calote nos banqueiros...
A presidente Dilma declarou que não existe razão “técnica” para que os “spreads” dos bancos privados sejam tão altos. É a pura verdade. A razão, realmente, é apenas que eles querem ganhar sem emprestar, com a especulação engendrada pelos juros do Banco Central. Daí, o resultado revelado pela recente divulgação de que os bancos foram o setor que em 2011 teve o maior lucro líquido (isto é, lucro já livre de todas despesas e custos).
Em si, não é uma revelação surpreendente. Mas ela esconde um fato, ao embrulhar bancos públicos e bancos privados: nada menos que 73% do lucro líquido total de R$ 49,4 bilhões são de apenas cinco bancos privados: Itaú Unibanco (R$ 14,6 bilhões), Bradesco (R$ 11 bilhões), Santander (R$ 7,8 bilhões), HSBC (R$ 1,35 bilhão), Safra (R$ 1,3 bilhão).
Dois desses bancos são estrangeiros (Santander e HSBC) e um terceiro (Safra) é qualquer coisa, menos nacional. O lucro, em relação a 2010, aumentou +19,7% no caso do Safra, +10% (Bradesco), +9,7% (Itaú Unibanco), +7% (HSBC) e +5,7% (Santander).
Certamente, aqui não está todo o cartel financeiro – os bancos norte-americanos, por exemplo, que atuam sobretudo através de fundos, não estão contemplados na justa medida.
Ao mesmo tempo, o crédito às empresas continuou, em 2011, muito abaixo não apenas dos países centrais (onde equivale a 139,3% do PIB), mas dos países ditos emergentes (61% do PIB). No caso do Brasil, esse montante não passou de 44,6% do PIB.
Pelo que foi visto na reunião com a Fazenda, se depender dos bancos privados, continuará assim para sempre – ou pior, se os juros do BC continuarem a abusar da nossa paciência.
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